quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O palco não pode ser pouco

Uma análise audiovisual do Grito Rock Cuiabá 2008


público do festival no Clube Feminino

Carnaval em Cuiabá. Pela segunda vez consecutiva, nessa época do ano, a cena local de música independente se une para promover o Festival Grito Rock no palco do Clube Feminino, clube de shows e também sede da Secretaria Municipal de Cultura. Além de uma série de ações em conjunto com a CUFA MT, o grupo Confraria dos Atores e a Próxima Cena, frente de audiovisual do idealizador do projeto, o Instituto Espaço Cubo, o festival trouxe para a capital mato-grossense bandas dos quatro cantos do país em cinco dias de um evento que só terminou com o enterro dos ossos no último dia nove de fevereiro.


Neste ano um público de cerca de quatro mil pessoas assistiu ao que acontece apenas em Hell City há cinco anos e que em 2008 se tornou um projeto que integra quarenta e sete cidades da América do Sul, já que os hermanos argentinos e uruguaios entraram na bolada junto com Estados brasileiros como Goiás, Minas Gerais, Acre, Rio de Janeiro e São Paulo, entre outros.


Jair Naves e seu visual de bom moço

Pata de Elefante, Ludovic, Charme Chulo e a “filha da terrinha” Vanguart encabeçaram a linha de encerramento das grandes noites do festival. Conhecidas principalmente pela renovação lingüística e estética em seus shows e músicas, as bandas chamam atenção nacional principalmente pelos diferenciais adotados em cima do palco. Explico-me: Jair Naves, vocalista à frente da paulistana Ludovic, é conhecido por suas performances explosivas que se adequam muito bem ao figurino de menino rebelde bem alinhado e às letras irônicas sobre dor de amor perdido e frustração. Com um misto entre guitarras possantes e a atmosfera nebulosa com ares de um expoente Joy Division brasileiro, o cenário está armado. Jair sabe cativar o mais desavisado ao deixá-lo vidrado em frente ao que está se passando em cima do palco, música a música, como todo bom entertainer.


O charme chulo do caipira

Charme Chulo deve ser a mais, porquê não, inovadora das headliners do festival. Assumidamente o “patinho feio” da cena curitibana por seu grande número de psychobillies, o estilo rock caipira da banda flui maravilhosamente bem através das camisas quadriculadas e xadrezes e dos chapéus, ora de caubói interiorano na cabeça do baterista hard rocker, ora de palha no peito do vocalista tímido, mas de imensa personalidade. E esse figurino apenas dá corpo ao prato principal da banda: a mistura do que alguns costumam chamar de rock oitentista pós-punk com a música caipira. No palco, de viola caipira empunhada trazendo mais um adendo, o universo estético está firmado e funcionando muito bem, diga-se. Não é de se estranhar que com tamanha coesão entre o que se vê e o que se ouve Charme Chulo venha galgando seu espaço, fiel entre vários, tendo rodado por três cidades apenas neste carnaval.


Pata de Elefante se prepara no camarim

Pata de Elefante e Vanguart não ficam atrás. Responda rápido: como segurar um público rocker altas horas da madrugada para assistir a uma banda instrumental? Os gaúchos do Pata parecem saber a receita certa para esse feito, seja com o motivo do nome da banda, ou seja, o peso de suas canções, seja pelo bom uso das suas influências setentistas nas mesmas, com muita elegância e irreverência. Ou será que camisas estilizadas e trocas constantes de instrumentos têm algo a ver com a resposta? No caso desses gaúchos, o domínio do palco é evidente, menos é mais, e o que fica é o zunido no ouvido. Já a cuiabana Vanguart vem traçando um caminho inverso, já que um terno tweed e uma gaita no pescoço há um bom tempo não fazem mais parte do visual do grupo. Desconstruindo a imagem folk, os garotos vêm se reciclando como é normal em uma banda com tão pouco tempo de estrada e muita bagagem dividida por cinco. No último dia de festival os cuiabanos encontraram uma Vanguart mais amadurecida no palco e ainda que existam indícios de mudanças na sonoridade da banda, a performance da mesma parece não se abalar mais.


Vanguart e o cosmonauta

Por entre as coberturas feitas para o podcast do Circuito Fora do Eixo pela equipe de comunicação da Volume – coletivo de bandas local e parceiro de produção do evento – podemos encontrar o fotógrafo Renato Reis tecendo críticas a respeito da falta de preocupação visual das bandas apresentadas. O paraense Renato vêm cobrindo com exclusividade vários festivais do Circuito Fora do Eixo há alguns bons três anos e neste Grito cuiabano coube a ele a façanha de fotografar as cerca de quarenta bandas da programação. Segundo o fotógrafo, esta é uma situação que se repete em todos os festivais e que as bandas têm de tomar mais atenção.


Quarenta bandas e entre elas fica fácil citar expoentes que realmente se prontificam a tentar entender do que um palco deve ser feito. Mr. Jungle, de Roraima, a já badalada Montage, do Ceará, a paulistana Garotas Suecas e a mineira Monno são algumas. Já dentre as cuiabanas, além do já consagrado power trio instrumental Macaco Bong, Rhox, Aoxin e Venial conseguiram tirar elogios dos olhares mais críticos, cada uma dentro de suas vertentes.


Renato Reis apontou a falta de grana para investimento das bandas independentes nas questões visuais. Além de todo o aparato básico e instrumental e todos os valores monetários exigidos para uma manutenção dos mesmos, ter que se preocupar com roupas, por exemplo, pode parecer luxo. Mas nada que uma boa dose de criatividade ao olhar dentro do guarda-roupa não resolva. Mais, nada que uma boa dose de criatividade no guarda-roupa e no que se mostra em cima do palco não resolva. De nada adianta o conjunto incompleto, elementos como a sonoridade, o visual e a performance devem andar de mãos dadas a criar estéticas coesas demonstrando do que são feitos nos profissionais. Pode parecer um bicho de sete cabeças o que não passa de uma diversão mais completa para qualquer banda que entende que o palco não pode, nunca, ser pouco para sua performance.
*Todas as fotos desta postagem são de autoria dele, Renato Reis.